Pulguinha





Minha cama acordou mais fria hoje.

Você chegou nem lembro quando - eu era tão nova que é como se você vivesse comigo desde sempre. Você era menor que um coelho, marrom feito chocolate e dormia em uma caixa de sapato. Era agitadíssima e muito curiosa. Lembro que entrava na mini-cozinha que eu tinha na época e jogava tudo para fora. Foi como encontrou seus primeiros brinquedos - a xícara que te deixava com nariz de palhaço e o balde que era maior que sua cabeça. Acho que você gostava de vermelho - os dois tinham a mesma cor. Lembro de você correndo atrás deles e escorregando. Convenhamos, você era chatinha quando decidia que queria brincar - era difícil não ceder ao seu latido ardido.


Você era ciumenta - quando alguém estava com a cabeça deitada no colo da mamãe, você logo se aproximava e delicadamente empurrava a pessoa para fora. Aliás, você sempre foi espaçosa - vivia roubando o lugar dos outros no sofá e praticamente me empurrava da minha cama. Também tomava posse do meu travesseiro. Bem capaz de você achar que era tudo seu; você achava que era gente.

Como gente que era, você tinha suas manias. Gostava de ficar no topo do sofá feito esfinge, apenas observando tudo - aliás, observando o que estávamos jantando para saber se valia a pena pedir seu parcela. Volta e meia andava por ai com seu cobertor, achando que era da realeza.

Tinha também suas exigências, como seu sono de beleza. Quando eu passava do horário, você logo começava a latir. Eu bem sei que você não parava até que eu te colocasse na minha cama. Você se enroscava no meu braço, na minha barriga; nas noites de verão era até insuportável, mas confesso que gostava de te ter por perto.

É por isso que dói tanto - saber que você não estará mais aqui; que nunca mais chegarei em casa e te verei esperando ao pé da porta; que não terei mais seus olhos enormes me observando do outro lado do quarto; que seu latido não vai me acordar no meio da madrugada; que você não vai mais arranhar minha cama, pedindo para dormir comigo.

Você estava sofrendo, eu sei, mas meu lado egoísta queria que você ficasse. Não estava e ainda não estou pronta para te deixar ir. Mas você já não estava mais aguentando, não é? Nas últimas noites, quando você não deixou ninguém dormir, era um pedido de ajuda, não era? É só isso que torna as coisas um pouco menos difíceis, saber que você já estava até se entregando... Mas não é fácil te deixar ir.

Se existe um céu, espero que esteja bem.

Descanse em paz, pulguinha.



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2 Comentários

  1. Luisa,
    Meus sentimentos. Eu bem sei o que estas sentindo, mas vai passar.
    Linda homenagem.
    Ivonete

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  2. Só quem perde um animal de estimação sabe a dor que é! Não há palavras para descrever os momentos de angústia que a morte deles nos reserva! Eu já perdi três: meu gato Sigurd, minha gata Pitchuka e minha cadelinha Maât. O espaço deixado por eles nunca será preenchido! Eu ainda devo passar por mais sofrimento porque tenho outros cinco gatos, idosos....Bela homenagem, Luisa. E a vida continua.....

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