Conto: Negrinha - Monteiro Lobato
Narrado em terceira pessoa, Negrinha conta a história de uma menina negra, orfã muito nova, criada pela senhora patroa de sua mãe quando viva.
Pequena e assustada, Negrinha se escondia pelos cantos da casa, sempre com medo do que a senhora faria com ela. Criada em meio a surras e pontapés, a menina não tinha senso do que era certo ou errado: um mesmo ato provocava algumas vezes a ira da senhora e em outra vezes fazia a rir.
Assim ela cresceu, em meio a castigos, sem uma única palavra de carinho, tratada como escrava, mesmo sendo apenas uma criança que sentia correr por suas veias um único desejo: ser realmente uma criança, poder correr, brincar, se divertir, sem temer o que dona Inácia faria.
Em meio a tanta tortura e sofrimento, Negrinha provou, finalmente, do gosto que a muito esperava: quando as sobrinhas de D. Inácia, pequeninas como Negrinha, passaram as férias com a tia, a orfã recebeu, por um momento, o carinho de mãe que nunca teve ao ter a permissão da patroa para brincar com os "anjos louros".
Mesmo quando os tais "anjos louros" partiram, Negrinha continuou presa ao estado de êxtase, o qual a matou. Conforme o tempo passava a menina se afundava mais no poço da depressão. No entanto, seus últimos suspiros foram o suficiente para que a morte a levasse feliz.
Em todo o texto percebe-se o uso de Lobato da objetividade, mesmo nas descrições das personagens. Com poucas palavras, ele nos dá a personalidade de Negrinha, assim como a de D. Inácia, não chateando o leitor com longas descrições desnecessárias.
Nota-se também a constante presença da ironia, em especial quando se trata de Dona Inácia, como em "excelente senhora a patroa", por exemplo.
No conto, os esteriótipos da época que é indicada são retratados através das personagens principais: Negrinha representa a classe escrava que vive em meio ao eterno sofrimento. Seu único entendimento da vida era servir e obedecer aos patrões, mais por medo do que por respeito, afinal, sem tais patrões, eles estariam em uma situação pior que já estavam.
Por outro lado, D. Inácia representava os patrões; através dela o óbvio preconceito da época era apresentado. Em meio a personalidade da patroa, características como a impaciência e a parcialidade estão presentes, e são essas, principalmente, as que contribuem com o sofrimento de Negrinha.
Um ponto importante sobre Inácia era o fato de nunca ter dado a luz. O próprio autor comenta, pelas entrelinhas, que a existência de Negrinha seria diferente se a patroa tivesse seu próprios filhos. A ausência desses filhos, no entanto, foi essencial para a contextualização do conto, pois, sendo as duas personagens a retratação do patrão e do escravo, uma possível amenização dos maus-tratos contra Negrinha estaria fora da realidade do contexto histórico.
A originalidade do texto está no fato de ele ser escrito de forma favorável ao negro, apesar da presença de preconceito por parte de D. Inácia. Mesmo narrado em terceira pessoa, é como se a história fosse contada pelo ponto de vista da menina, mostrando o quão grande era o sofrimento dos escravos; o texto não diz, portanto, que o escravo era merecedor de tal sofrimento.
No entanto, mesmo levando em consideração o ponto de vista do escravo, o autor ainda sim era realista. Mesmo que Negrinha não merecesse a vida a qual era imposta a ela, o que ela tinha era aquilo, e qualquer coisa diferente daquilo não seria real, o que prova as ideias citadas acima.
De fato, essa obra está recheada com um tema polêmico e pode ser considerada não recomendável para crianças pela presença do preconceito e dos maus tratos, porém, o fato da personagem principal ser uma menina tão nova é o que traz a lição que o conto leva consigo. Se bem trabalhado, tanto o público adulto quanto o infantil, a quem o texto foi, originalmente, dirigido, poderão captar a mensagem que existe no conto sobre o tão polêmico assunto.